Colectiva Fases da Vida_ Adolescência

A Escola E Eu

Vivam! Cá estamos,  participando na 3ª fase_ Adolescência da blogagem colectiva “Fases da Vida”, proposta pela Rute, do Publicar para Partilhar.

Aqui fica o link directo para a participação da Rute de hoje, “Adolescência – Entender o conflito de gerações”, uma vez que nesse seu post aparecem listadas todas as participações nesta 3ª fase.

E bem, para demarcar a fase da adolescência relacionando-a com a temática deste blog, pareceu-me indicado o subtítulo que escolhi “A Escola e Eu”.

Uma das razões, porque grande parte da minha adolescência foi passada na escola. Uma outra razão, porque ao pesquisar na Wikipédia a “delimitação” desta fase, Adolescência, dei com definições que me fizeram pensar como estas:

“Adolescência é a fase do desenvolvimento humano que marca a transição entre a infância e a idade adulta. Com isso essa fase caracteriza-se por alterações em diversos níveis – físico, mental e social – e representa para o indivíduo um processo de distanciamento de formas de comportamento e privilégios típicos da infância e de aquisição de características e competências que o capacitem a assumir os deveres e papéis sociais do adulto.”

“Adolescência na psicologia do desenvolvimento:

Se, do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, o início da adolescência é claramente marcado pelo início do amadurecimento sexual (puberdade), o seu fim não se define apenas pelo desenvolvimento corporal, mas sobretudo pela maturidade social – que inclui, entre outras coisas, a entrada no mercado de trabalho e o assumir do papel social de adulto.”

Mais uma vez se percebe, que a função da escola é, antes de tudo, uma função social de preparação, desde crianças, para a entrada no mercado de trabalho. Para servir este nosso sistema social falho e caduco e hoje em dia com tanto descrédito. E que, segundo constatamos todos, nem a essa função serve por completo, pois para isso seria necessário que garantisse de facto a entrada de todos no mercado de trabalho.

Pensemos um pouco: a maior parte das pessoas que acaba um curso universitário, foi para esse curso por todas as razões sociais e económicas (incluindo a de arranjar um emprego melhor remunerado) e não pela simples razão de querer mesmo saber aquelas matérias ou de querer aplicá-las numa vocação que os impele a participar apaixonadamente na sua comunidade. As pessoas passaram a valorizar o ser-se “detentor de estudos”, sobretudo os “estudos superiores” por todas essas razões menos pela razão que eles deveriam ser valorizados. Quase todos os pais da minha geração gostariam/gostam de ter um filho doutor ou engenheiro (já houve uma altura que era uma honra ter um filho padre). Foi preciso o sistema entrar em crise, subir em flecha os níveis de desemprego, para se começar a questionar o que vale realmente todo esse esforço familiar e começarmos a colocar cada coisa no seu lugar (com todos os protestos pelo meio…). E quem se fica por estudos “não superiores” igualmente não tem garantia de entrada no mercado de trabalho.

Qual preparação para a Vida, qual preparação para a interacção entre os seres, quais outras ingenuidades que possamos ter acerca da função desta “instituição social”, a escola, como hoje a conhecemos, cuja origem tão bem está explicada neste post da Paula, do Aprender Sem Escola,  (leiam, que vale a pena!) que já algumas vezes referi aqui n’A Escola É Bela!

O.k., este post vai ser um pouco mais “light” que a expectativa que estas definições possam criar, pois as maravilhosas crianças que somos, com a sua pureza e naturalidade, conseguimos de alguma forma e muitas vezes, fantasticamente, sobrepor essa naturalidade às atrocidades impostas por um sistema que de forma alguma serve aquilo que deveria servir.

Então, A Escola e Eu, de alguma maneira fomos boas companheiras, sobretudo porque até dada altura, o meu ser curioso e ávido de saberes, driblava as questões mais limitativas impostas na escola e ia sobrepondo-se a ela. Isto também, porque tive uns pais excelentes nessa área e, num primeiro estágio da adolescência, o meu pai, sobretudo, sem o saber e à luz do que sei hoje, fez um papel excelente de ” pai homeschooler” sem o ser. Vou destrinçar isto:

Do que recordo, digo sempre que a minha adolescência começou aos 12 anos: aos 12 anos “apareceu-me o período”; aos 12 anos é quando me lembro de ter começado “a filosofar” (a filosofar, mesmo). E os meus 12 anos foram vividos em África, na Beira, Moçambique e vivia na altura com o meu pai (os meus pais separaram-se tinha eu 5 anos e dos 9 aos 13 vivi com o meu pai e a minha madrasta e duas irmãs filhas dos dois para além dos meus outros dois irmãos “iniciais”                             🙂

Entrávamos na escola às 7h da manhã (lá, o sol nascia às 5h e meia-6h e às 5h da tarde já começava a escurecer) e saíamos às 13h.

O meu pai ia buscar-nos (a mim e aos meus dois irmãos “a seguir a mim”) no seu económico carrinho e levava-nos a dar uma volta pela marginal e até ao aeroporto, passeio durante o qual conversávamos sobre tudo o que tinha acontecido no nosso dia, ele perguntava imensas coisas e ríamos muito (o meu pai era dotado de um humor muito característico; dizia coisas para rir, muito sério).  Depois da voltinha íamos para casa onde o almoço se encontrava então na mesa.

A tarde era sobretudo para brincar (eu fazia os trabalhos de casa sempre na escola, nos intervalos e rapidamente, nunca fui adepta de “trabalhos de casa”, para depois não ter que pensar mais nisso e dispor do resto do tempo como queria, “gerir o meu tempo”): com os vizinhos, os amigos que iam ter lá a casa, ir para a praia ali perto, subir à goiabeira que tínhamos no quintal, andar descalços; muitas vezes eu gostava de ficar dentro de casa a ler ou a escrever (escrevi o meu primeiro livro, de aventuras, à semelhança dos livros “dos cinco” da Énid Blyton, tinha 11 anos, chamava-se “Os 4 Mergulhadores”, os meus irmãos foram os meus primeiros leitores e fãs entusiastas, que me incentivaram a escrever mais outros dois livros, na altura, um passado no circo e outro sobre peripécias na escola).

Ao final da tarde o meu pai regressava a casa e antes do jantar ensinava-nos imensos jogos de números e estratégias: foi ele que me ensinou a jogar a batalha naval, mas também o jogo do “31” em que escrevíamos os algarismos de 1 a 31 num papel, escolhíamos 3  e depois o outro tentava adivinhar os algarismos que tínhamos escolhido para o que tinha algumas tentativas. E muitos outros. Também nos exercitava com as contas de cabeça, em jogos que inventava e  mostrava-nos os bichinhos que por ali andavam (em África convivíamos normalmente com osgas, baratas e outros que tais) e derivávamos para os outros animais “selvagens” que um dia fomos mesmo visitar ao “Parque Nacional da Gorongosa”, num safari que nunca esquecerei.

Ah! E explicava-nos tudo sobre higiene diária e a importância de irmos ao dentista com frequência, de lavarmos os dentes e tomarmos banho diariamente (então em África!).

Também nos exercitava fisicamente, isto é, ensinou-nos a fazer o pino (primeiro “contra a parede” _ as paredes lá de casa, mesmo!) e fazíamos “campeonatos” de salto em comprimento, na praia, pontes, rodas e sei lá que mais, não parávamos quietos, com ele. Também foi o meu pai que nos ensinou a nadar, nas águas calminhas e quentes do Oceano Índico.

Duas vezes por semana levava-nos com ele, à tarde, deixava-nos na aula de piano e a seguir tinha aula de ballet, no mesmo local. Eu sempre gostei muito de música e de dançar também e o ballet tinha uma outra componente que exercitava a minha flexibilidade, que eu adorava. Talvez sempre tenha sido apologista, tal como o meu pai, do preceito “Mente Sã Em Corpo São”.

Depois ia buscar-nos no fim do ballet e levava-nos com ele até a um clube desportivo do qual ele era o vice-presidente e foi por lá que aprendi a patinar (sem professor de patinagem), a jogar ping-pong (também sem professor) e a jogar xadrez (explicou-nos o meu pai as regras e depois jogávamos uns com os outros que estivessem lá no clube).

Digam lá que o meu pai não dava um grande “pai homeschooler”, sem o sabermos todos na altura?

Foi também em Moçambique que fui pela primeira vez ao cinema, com 11 anos (1976), só eu e a minha madrasta, foi para mim um acontecimento importante, ver o filme “Chá para Dois”, seguindo-se filmes com o Louis de Funés e os filmes do Cantiflas e alguns filmes indianos (passavam lá muitos filmes indianos). Na altura não existia televisão em Moçambique.

E de facto, o que eu recordo melhor de tudo o que aprendi, foram estas coisas que aprendi com o meu pai, as que aprendi com a minha mãe (a minha mãe completou os estudos dos antigos 6º  e 7º anos do liceu, hoje 10º e 11º anos e o, na altura, ” ano propedêutico” e a admissão à universidade, durante os meus 6,7 e 8 anos e recordo vividamente uma altura em que ela estudava Latim e me pedia para eu lhe fazer perguntas e foi assim que aprendi as terminações dos verbos em Latim!), sobretudo nas férias, pois ela gostava de percorrer Portugal (e chegámos a conhecer também a Galiza), acampando aqui e ali, de “mapa em punho”, assinalando os locais que queríamos visitar e os que já visitáramos, coleccionando lindos postais dos locais onde íamos, visitando igrejas, museus, monumentos, muralhas, templos, praias, lagoas, serras… Ainda me lembro de num ano em que havia menos dinheiro, ficarmos por Coimbra e visitarmos todos os locais que os turistas normalmente visitam e que nós, que vivíamos lá, nunca tínhamos visitado, “por dentro”, fazendo questão de termos “visitas guiadas” com todas as explicações que os guias nos fornecem (Jardim Botânico, Biblioteca da Universidade de Coimbra, Sé Nova, Sé Velha, Mosteiro e Igreja de Santa Cruz, Jardim da Manga, Jardim da Sereia, Penedo da Saudade, Quinta das Lágrimas, Mosteiro de Santa Clara onde fica a urna da famosa “Rainha Santa Isabel”, a do “Milagre das Rosas”)…

…as coisas maravilhosas que aprendi com a minha avó (foi com a minha avó que aprendi a ler, antes de entrar para a escola primária e ela nem a 4ª classe tinha!), sobretudo a cozinhar! Os pratos deliciosos que ela fazia, os doces, os bolinhos… E as histórias que ela contava! Histórias verdadeiras, passadas na aldeia dela, histórias de família e histórias de famílias para as quais trabalhou (trabalhou para a família do escritor português “Fernando Namora”, o Fernandinho como ela lhe chamava)…

(fotos sobreviventes de uma temporada numa cave húmida!)

… e com o meu avô: o meu avô tinha a profissão de  “caixeiro viajante”, era assim que se chamava na altura; ia até às fábricas do Norte buscar “fazendas” (tecidos ao metro e também lençóis já feitos, toalhas, cobertores) e depois vinha descendo e distribuindo pelos seus clientes (lojas) a mercadoria. Nas “amostras”, tinha anotados, a lápis, os preços do produto respectivo e quando o preço por metro se alterava, tinha que apagar todos os preços nas amostras, fazer as contas, e voltar a colocar os novos preços, para o que nos pedia sempre ajuda e eu lembro-me que estava sempre pronta a ajudá-lo, adorava fazer aquelas contas, preço/m x quantidade de metros = preço final. Tudo “à mão”, que na altura não existiam máquinas de calcular. Também o ajudávamos a descarregar e a carregar a carrinha e uma outra tarefa muito especial que me imcumbia a mim, a neta mais velha e “responsável”, quando tinha 13, 14 e 15 anos: ir depositar-lhe os cheques ao banco_ dava-me o dinheiro para ir de troley até à baixa (isto em Coimbra), dava-me os talões de depósito já preenchidos e assinados e os cheques, eu chegava ao banco, apresentava-os ao balcão, recebia o comprovativo de entrega, voltava para casa de troley (e havia parte do percurso que tinha que fazer a pé, outros tempos, a probabilidade de ser assaltada era reduzidíssima) e ao chegar, recebia a bela quantia de 20$00 (isto em 1978 era dinheiro) pela minha alta e responsável tarefa…

…e até com uma tia minha (uma “tia emprestada”, como se dizia na altura, era namorada do meu tio, irmão da minha mãe e tinha uma filha dele, minha prima), brasileira, de S. Salvador da Bahia: ela viveu em casa dos meus avós durante alguns anos, voltara eu de África, e andava ela na universidade, no curso de Medicina; então sentávamo-nos juntas ao pequeno-almoço ou ao lanche e aí ficávamos à conversa, eu perguntava-lhe imensas coisas sobre o corpo humano (e até sobre sexualidade) e sobre nutricionismo e ela explicava-me tudinho; também me ensinou a fazer brigadeiros! E farofa! E fizémos uma parceria, tinha eu 14 anos, na compra dos fascículos da teleculinária (comprávamo-los a meias _ olhem onde eu investia parte da minha mesada!    🙂      ) e passávamos a tarde a experimentar a fazer massa folhada, fazê-la mesmo (dá uma trabalheira!!!) e depois todas as variações que podíamos fazer com ela: pastéis de nata, palmières, cornucópias, jesuítas, pastéis de carne (ups! Ainda não era vegetariana, na altura   😉    ). Para depois, à noite, nos sentarmos a estudar (ela tinha que estudar para as frequências da universidade, empinar milhares de nomes, não sei se estão a ver o que é um curso de medicina) e eu para estudar a única disciplina que eu sempre tive que estudar se queria ter boas notas: História. Nunca gostei de decorar.

Normalmente não estudava nunca, estava com atenção à matéria, fazia os trabalhos de casa (na escola, nos intervalos, como já disse) e pronto, dedicava-me a explorar outras matérias que queria muito saber e não estavam no programa pelo menos daquele ano escolar, para o que recorria a outras pessoas (que não os professores) e aos livros, por iniciativa própria (autodidacta). E aí sim, é que aprendia. Tudo o que decorei se foi, desvaneceu… e muitas coisas que fui obrigada a saber para os testes levaram o mesmo caminho. E tinha óptimas notas, note-se, normalmente era a melhor aluna da turma (ou a melhor em parceria com outro). O que muitas vezes me inibia perante os outros, nunca gostei que me achassem melhor que ninguém, porque sempre me disseram que “as pessoas não se medem” (aos palmos, em inteligência, em presunção…) e daí que o melhor que me ocorria fazer na altura, quanto a isso, era passar todas as respostas às perguntas dos testes que conseguia passar despercebidamente aos colegas que se sentavam à minha volta. Por isso era uma rapariga popular na minha adolescência, não por ser gira ou qualquer outra coisa, sim porque era “porreira” e “safava quem e como podia” e, o que muito intrigava os meus colegas quando me conheciam melhor, era que eu não era “marrona”, não passava o tempo a estudar, era boa a ginástica e passava muitas tardes e muitos fins-de-semana (isto já depois de ter voltado de África, em Coimbra) a curtir a valer, música, entenda-se, pois tenho um tio (o tal irmão da minha mãe), 15 anos mais velho que eu, músico (de paixão e profissão), compositor e executante, que tinha uma banda (nós na altura chamávamos-lhe “conjunto” ou “grupo” musical) e passávamos belas horas na sua companhia, a ouvi-lo tocar, a cantar com ele (eu sabia de cor todas as letras das músicas que ele compunha), a ir aos bailes do grupo, a dançar, a curtir a valer! O meu tio era muito conhecido por lá, pois era o guitarrista e vocalista da banda, tinha uma voz fenomenal e tocava brilhantemente guitarra eléctrica (a “sua Fender”), tocava com os dentes e atrás das costas, quando a actuação se tornava electrizante. Hoje já não tem uma banda, tornou-se sócio de um antigo bar muito conhecido em Coimbra, “A Diligência Bar”, onde vão muitos estudantes e muitos estrangeiros, ouvir tocar e cantar (o meu tio e outros sócios), desde fados a muitos outros géneros musicais e onde quem se sente à vontade também pode cantar, acompanhado instrumentalmente por eles.

Os mais belos e apaixonados momentos da minha adolescência foram passados neste “ambiente musical” gerado pelo meu tio e pelos seus amigos.

Recapitulando: o que ainda hoje recordo do que aprendi, foi o que contei ter aprendido, em cima, com as mais diversas pessoas e através de livros, por “auto-recriação” minha, e não com os meus professores, dentro das paredes da escola.

Dos meus 12 anos de escola antes de entrar para a universidade, recordo um único professor realmente bom, o meu professor de Matemática do 8º ano, que fazia com que todos os raciocínios matemáticos parecessem a coisa mais natural do Mundo.

Do curso de artes visuais “paralelo” que frequentei e concluí (de três anos, um “bacharelato” da altura), recordo três excelentes professores (o meu professor de História da Arte e de Estética, o meu professor de Movimentos Literários e o meu professor de Pintura), mas este era um curso “diferente”, com poucos alunos (na minha turma éramos 11), muito familiar, onde a distância professor-aluno se tornava muito curta e onde os alunos queriam mesmo aprender aquelas coisas ou não se teriam inscrito no curso.

Da universidade, recordo dois realmente bons professores, o meu professor das aulas práticas de Investigação Operacional, do 2º ano e o meu professor das aulas práticas de Resistência de Materiais, do 3º ano (o meu curso universitário é “Engenharia Civil”, um curso de cinco anos).

Recordo ainda mais alguns professores, mas por outras razões que não as de explicarem bem: lembro-me de um professor de Matemática do 10º ano, o professor Dourado, que não dava matéria nenhuma e passava as aulas a dizer para “nos divertirmos o que pudéssemos porque desta vida o que se levava era o que se comia, o que se bebia e as recordações dos amigos”; de um outro, de filosofia, também do 10º ano, embora não me recorde do nome, que ia connosco (seus alunos) conversar para um café perto do liceu, nos intervalos das aulas; de uma professora de francês a quem chamávamos “panela de pressão”, pois ainda vinha no corredor e já vinha a dizer “SSSSHHHIIIIUUUUU!!!!”, de um professor de físico-química, também do 10º ano, a quem chamávamos “pinguim”, porque tinha uma maneira de andar mesmo à pinguim e como vinha sempre com uma bata branca com uma racha atrás e ele punha as mãos nos bolsos das calças de forma a que a bata ficava a parecer mesmo a “roupagem” do pinguim… (cruéis, que nós somos, deixa lá que também tive uma alcunha quando fui professora!), do meu professor das aulas práticas de Análise Matemática I, do 1º ano, Joaquim Namorado, conhecido por ser poeta (como dizia o meu pai, era melhor matemático que poeta, mas não era conhecido como matemático 😉       ), mas que, como já estava com tanta idade (foi meu professor pouco antes de falecer), também passava as aulas a falar de tudo menos de matemática, lembro-me especialmente deste episódio: depois de nos explicar as características físicas dos portugueses de cada região, devido à influência (“cruzamento de raças”) de todos os povos que por cá passaram e de explicar mais detalhes de ordem fisiológica, tais como, o facto de as pessoas do sexo feminino gostarem de sentir uma mão sobre a sua cintura e das do sexo masculino, uma mão sobre os seus ombros ombros, virou-se para vários dos meus colegas rapazes e perguntou-lhes se tinham namorada; aos que respondiam que sim, disse-lhes que estavam a aproveitar bem o tempo, aos que respondiam que não perguntou: “Então o que é que andas cá fazer? Não estudas, não tens namorada…”. Até que um deles (dos que tinha respondido não ter namorada) lhe respondeu que andava muito interessado nas sociedades secretas; o professor entusiasmou-se logo: “Ai sim? E quais? E o que leste sobre isso?”, etc., pelo que o resto da aula foi todo sobre sociedades secretas…

Da belíssima aluna que fui a Matemática hoje já não sei resolver um integral, que aprendemos no 12º ano (tive 18, nos exames, na escala de 0 a 20) e no 1º ano da universidade. Quando saí da universidade do meu curso de engenharia civil, depois de “ter aprendido tanto cálculo” e ingressei num trabalho nessa área, não sabia, por exemplo, que o nome técnico que se dava à pedra da borda dos passeios era “lancil”, algo tão simples como isto.

Entendem o que quero dizer quando digo que tudo espremido, os nossos intermináveis anos de escola que nos preenchem toda a adolescência, se resolveriam num ou dois anos, “tempo útil”, se o sistema não fosse este?

A minha filha do meio estudou a matéria da disciplina de Físico-Química do 10º, 11º e 12º anos em 2 meses (duas horas por semana, façam lá a conta, não são dois meses, portanto, são menos dias) com um explicador (isto porque não tinha podido frequentar a disciplina juntamente com as outras, durante o tempo escolar) e foi ao exame e teve a mesma nota (14, na escala de 0 a 20) que o melhor aluno, aluno de 18 valores durante o ano, que esse explicador tinha tido na escola onde dava aulas. Dito pelo próprio, que no início não acreditava que ela pudesse aprender toda a matéria em tão pouco tempo. E ela não a aprendeu, por ser de inteligência e capacidades excepcionais, simplesmente porque queria mesmo e estava determinada a fazê-lo.

Do que eu mesmo me recordo bem dos meus tempos de escola na adolescência, é dos recreios e de alguns colegas que ficaram meus amigos. (Curiosidade: o nome que eu tinha escolhido inicialmente para este blog era “Sempre No Recreio”, depois resolvi optar pelo nome “A Escola É Bela”). Ora podia ter feito o que fiz nos recreios, noutro contexto, e fazer amigos noutros locais onde nos reuníssemos com outros objectivos. Não era preciso todo o restante “staff”.

Do que me lembro mesmo de ter gostado “à brava” nas aulas da escola que tive na minha adolescência, foi ler o livro “As Minas de Salomão”, traduzido pelo Eça de Queirós, nas aulas de Português do 8ºano. E lembro-me de chegar a casa e ir procurar livros com o resto das matérias que não eram abordadas na escola, pois eram essas que me interessavam. Li quase todos os livros de Fernando Pessoa, porque quiz e em casa ou nos jardins, parques e praias, que era onde eu gostava mais de ler, no meio da Natureza. Por exemplo. E li muito sobre filósofos, para além do que se dava nas aulas de filosofia, porque a dada altura quiz muito saber o que pensavam esses filósofos. E até “li” enciclopédias.

Dá que pensar, desculpem…

Tanto tempo inutilizado passado nos bancos da escola. Há outras organizações possíveis, mais eficientes e adequadas à especificidade de cada um. E que podiam ser “oferecidas” a quem quisesse delas usufruir. Não tem que ser ensino doméstico, o ensino doméstico é o que temos hoje como uma das formas de sair um pouco deste esquema obrigatório, compulsório, uniformizante e desmotivante. Podemos encontrar outras soluções, com ofertas de qualidade e ao mesmo tempo respeitando a liberdade e as características específicas de cada um.

Por outro lado a escola trouxe-me muita confusão, sobretudo na tal preparação para a entrada no mercado de trabalho.

Uma das mais angustiantes decisões que tive que tomar na vida foi o ter que escolher, aos 15 anos, qual a área de estudos a seguir no 10º ano, já em função do curso universitário que iria escolher frequentar. Eu gostava de todas as áreas, gostaria de continuar a aprender de tudo (a minha filha do meio teve o mesmo problema, a minha filha mais velha já não, porque tinha vocações muito específicas, para a área das artes, da expressão dramática, melhor dizendo; fez o curso da escola profissional de teatro e trabalha como actriz em teatro e televisão e costuma dizer duas coisas que eu acho “o máximo”: 1., que quiz ser actriz, porque gostava de experimentar todas as profissões, inclusivé perceber o que é ser ladrão, ou louco, e que este trabalho como actriz lhe permite isso mesmo, mediante as personagens que tem que “estudar” e encarnar; 2., que transformou em profissão a sua mais querida brincadeira de criança, que era encenar as histórias dos filmes e “ser todos os personagens”, primeiro os da Disney e depois os outros, quando era adolescente decorou todas as falas do “Titanic” ).

Muitas vezes penso o que estaria a fazer hoje se não tivesse andado na escola. Tendo os pais que tive na altura (o meu pai já faleceu, a minha mãe continua a ser minha confidente, quando está melhor de saúde) sei que me teria saído muito bem como homeschooler (unschooler ainda melhor) e talvez não tivesse tido e não estivesse tendo tanto trabalho a transformar as limitações que às vezes nem me apercebo que tenho. Com certeza teria várias profissões (ou melhor, ocupações) que muito tivessem a ver comigo e não estaria “presa”, ainda, a uma profissão que não desgosto, mas que não me preenche, embora faça muitas outras coisas que “me preenchem”. Como comecei por por contar neste post e neste e neste outro.

Continuo “a trabalhar” para isso, para “refazer” algumas fases da minha vida, tais como a adolescência, trazendo à tona o que quero muito aproveitar do que vivi e que me ajuda a pôr em prática novas ideias, e transformando o que limitou a concretização de alguns sonhos.

Obrigada por serem meus parceiros nesta aventura!

Beijinhos a todos, de coração!

Isabel

21 Respostas so far »

  1. 1

    Roselia said,

    Olá, querida Isabel
    “Na ternura de um amanhecer,
    Eu observei a beleza do orvalho”.
    (Sandra)

    Vc deve ter um temperamento “arrumadinho”… resultado da formação que teve…
    ao que me pareceu, claro!!!
    Também me dediquei demasiadamente ao estudo… foi uma válvula de escape, sabe???
    Com certeza serviu pra sua emancipação…
    Também venho de um Colégio severo…

    “…é o molhar do orvalho quem vê meus passos…
    é minha vida me chamando pra viver”
    ( Fractais de Calu)

    Tenha um excelente Domingo de paz e alegria.
    Bj com gosto de adolescência (o lado bom dela).

  2. 2

    Gina said,

    Isabel,
    Penso que acabei de ler um livro sobre a sua vida escolar, mas também sobre as limitações da escola, sobre as possibilidades perdidas, as escolhas feitas em tenra idade e tantas outras coisas.
    Achei interessante você finalizar revendo suas fases e tentando realizar os sonhos de outrora, afinal, a maturidade permite que reflitamos e tentemos aproveitar bem a nossa vida, tão tênue, tão efêmera, tão célere e, ao mesmo tempo, tão intensa quanto quisermos que seja.
    Foi muito rica a sua experiência de vida. Seu pai, sobretudo, muito presente, atuante, responsável.
    Um ótimo domingo pra você!

  3. 3

    Maria luiza said,

    Nossa mãe de Deus, que adolecência! Você não esqueceu nenhum detalhe, penso eu. Muito bonito o seu relato com tanta riqueza de detalhes. Parabéns! Bjbj!

  4. 4

    Rute said,

    Finalmente cheguei aqui Amiga! E parece-me que vais ser o último comentário da noite pois a praia moeu-me! Estou cheia de soninho.
    O que vale é que quando vim buscar o link, não resisti e li o texto todo. Só não comentei para não passar à frente das outras participações. Pois estou a comentar por ordem de chegada 🙂

    Eh pá que grande pai o teu!! Quem tem um pai assim, tem tudo, tem ouro! Acredito que seja o teu heroi 🙂
    Já não se fazem pais desses. Dos que têm tempo para os filhos… Bom, se calhar até se “fazem” mas só em homeschooling…

    Gostei muito dessa foto do teu tio. Adoro ambientes assim com amigos a tocar viola e outros a cantar. Eu andei a aprender a tocar viola mas tinha as mãos muito pequenas para os acordes, por isso desisti.

    E realmente tinhas razão… parece que adivinhei parte do teu texto quando comentei, durante a semana, lá no pés na relva. Transmissão de pensamento entre duas almas que se conhecem muito bem.
    Beijinhos,
    Rute

  5. 5

    ana cristina said,

    “refazer alguma fases da vida”…..achei interessante a frase, vou pensar sobre isso…..parabens pela postagem! tambem estou nela:
    http://anacristinap.blogspot.com/2011/05/blogagem-coletiva-fases-da-vida.html#comments
    bjo

  6. 6

    Zilda Santiago Maciel said,

    Minina de Deus!!!!Vc já nasceu cigana!!!Ufa!!!Viveu mais do que o tempo cronológico…Parabéns pela disposição em digitar tannnnto!!!!BJKSSSSSSSSSSSS

    Minha participação está no blog Rumos Libertadores: http://rumoslibertadores.blogspot.com
    Comente e concorra a um livro pela loteria federal ,até o dia 28/05

  7. 7

    Mariazinha said,

    Tambem participo da blogagem coletiva:
    http://mariazinhap.blogspot.com/2011/05/blogagem-coletiva-fases-da-vida.html
    Parabens pela sua postagem!
    Beijos

  8. 8

    Bel Rech said,

    Olá, daria para ficar lendo mais, pois sua história é linda e cheia de aprendizagem por onde passava e seu “pai” foi o instrutor maior.É uma forma de homenagem à ele.
    Me encantei!
    Paz e bem

  9. 9

    Rosélia!
    Temperamento arrumadinho, eu? Se calhar tenho, é sempre engraçado ver da perspectiva de outra pessoa, pois nós muitas vezes não nos apercebemos o que passamos aos outros… Sempre fui um tanto calminha, sim, como o meu pai, mas nada “certinha”, pois quem mexe um pouco com os conceitos estabelecidos não é lá muito certinho… 🙂

    Gina!
    Sabe que isto é mesmo matéria para um livro… 😉 Obrigada pelo seu comentário;

    Rute, fazendo as contas à minha infância e adolescência, o meu pai não foi assim tão presente, porque desde que os meus pais se separaram ele vivia longe de mim, a não ser nestes três anos na Beira que vivemos o dia a dia com ele, mas sim, era um pai interessado e envolvente. Só há uns anos atrás é que eu percebi isso e, tanto em relação a ele como à minha mãe, transformei todas as queixas que tinha deles nestes sentimentos de gratidão por tudo o que de maravilhoso eles conseguiram fazer…

    Bel Rech, sim, é uma forma de homenagem ao meu pai, aliás todo este blog, quando o comecei, senti isso, que é uma forma de homenagem a ele.

    Maria Luiza, Ana Cristina, Zilda e Mariazinha, muito obrigada pelos comentários, sejam sempre bem-vindas!

    Muitos beijinhos para todas
    Isabel

  10. 10

    Rute said,

    Isabel,
    deixa-me que te diga: a tua resposta é a melhor parte da participação!
    Passo a citar:
    «Só há uns anos atrás é que eu percebi isso e, tanto em relação a ele como à minha mãe, transformei todas as queixas que tinha deles nestes sentimentos de gratidão por tudo o que de maravilhoso eles conseguiram fazer…»

    Creio que deviamos fazer isso em relação a todas as pessoas que nos acompanharam pela vida. Transformar todas as queixas em gratidão. Eu fiz isso em relação ao meu ex-marido…

    Regra geral, tenho sempre o hábito de ressaltar os bons e positivos momentos, não deixando que os menos bons, estraguem os outros. E sim, agradeço a quem passou e passa pela minha vida. Aprendo sempre muito com todas as pessoas.
    E com isto parece-me que finalmente entendi a Essência do teu mail: tu és, eu sou, um pouco de toda a influência que recebemos. Por isso devemos estar gratas.

    Mil beijos.
    Sempre que falo contigo dão-se uns insights tremendos!
    Rute

  11. 11

    Rute, és uma querida!
    Sim, percebeste a essência…
    Deixa-me que te diga, também já tive insights a falar contigo… é isso que nós somos uns para os outros, de repente com determinada coisa que alguém nos diz, faz-se luz (se calhar porque somos todos a mesma essência, não estamos é despertos para isso e a viver isso conscientemente…)!
    Muitos beijinhos
    Isabel

  12. 12

    Rute said,

    *eh eh eh, não era do teu mail.
    Era:
    “a essência do teu post” Dahhhh pra mim!

  13. 13

    Eu percebi… 🙂 mas ainda bem que confirmaste!

  14. 14

    Denise said,

    É muito bom ter um pai q realmente participou de sua mocidade, te deu dicas sobre a vida e te ofereceu uma grande gama de experiências. Parabéns!

  15. 15

    luma said,

    A diferença daquele tempo para agora é que o mundo agora gira mais rápido. Não temos tempo para um sentar no banco da praça e esperar os amigos chegarem, sem agenda prévia! Hoje já saímos com tudo programado e já como pressa de retorno. Amadurecer é assumir responsabilidades! Beijus,

  16. 16

    Teresa said,

    Oiee!!
    Ah isso sim é descrever a adolescência ricamente, mais vc ter compartilhado-adorei!, pq de fato é a fase da vida que mais vivemos é dentro da escola mesmo.
    To gostando desta blogagens coletivas são as fotos….caramba pena que meu scaner tá com, problema, senão teria escvrido mto mais…..
    Tenha um lindo dia repleto de muita paz.
    bjs

  17. 17

    Virginia said,

    Isabel, bela postagem, bela história. Parabéns. Eu também faço parte da blogagem coletiva. Foi um prazer conhecê-la. Beijos.

  18. 18

    Denise, Luma, Teresa e Virgínia, grata pela visita e comentários. Muitos beijinhos a todas!
    Isabel

  19. 19

    […] eu soubesse), familiares (incluindo os irmãos), vizinhos, colegas de trabalho… e como disse na fase anterior, a da Adolescência, era querida por todos e até “popular”, de certa […]

  20. 21

    […] connosco e lembro-me sempre de ela nos contar muitas histórias e de nos ajudar com os brinquedos e já contei aqui que foi com ela que aprendi a ler, aos 4 anos (antes de entrar para a escola, portanto) porque os […]


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