No seguimento do que contei no último post “Afinal o Melhor é Seguir sem Métodos”, entretanto um belo dia, conversando sobre a possibilidade de uma escola mais natural e que permitisse às crianças manter a sua curiosidade natural pelo conhecimento prático e efectivo, a Andreia escreveu-nos a contar a “história da sua escola primária”.
Contou-nos algo muito mais resumido que hoje, mas eu gostei logo.
Há umas semanas, reenviei-lhe o seu e-mail da altura e perguntei-lhe se gostaria de acrescentar mais alguns pormenores e que eu o colocasse neste blogue, como uma valiosa contribuição a tudo o que temos andado para aqui a dizer.
Com a sua generosidade e entusiasmo habituais, respondeu-me logo que sim e aqui fica a sua tão interessante contribuição para este blogue:
Querida Isabel, aqui vai o texto sobre a minha experiência na Escola da Quinta do Paço, no Algoz-Algarve, em que passei 3 anos maravilhosos da minha vida… está mais completo com pormenores que perguntei à minha Avó e recordámos em conjunto:
“A minha experiência de Escola primária a partir da 2ª classe (1984/85) até à 4ª classe (1986/87) foi fantástica!
Quando comecei nesta Escola, éramos uns 3 ou 4 alunos na 2ª classe e outros tantos na 1ª classe, na mesma sala com uma professora – que é a minha Avó materna – quando passei para a 3ª classe, mudámos para uma sala maior e ficámos 3ª, 2ª e 1ª classe com a mesma professora, só no ano seguinte, quando passei para a 4ª é que se dividiram as classes em 2 grupos, até porque nessa altura o nº de alunos tinha aumentado significativamente, assim passei para um outro edifício em que havia uma sala no 1ª andar para a 3ª e 4ª classes e no R/C a sala da 1ª e 2 ª classes, nessa altura a minha Avó continuou connosco e contrataram um outro prof para a outra sala, que ela orientava.
A minha Avó sempre foi uma prof muito especial, recordo-me das aulas de Primavera dadas em passeios pelos campos que circundavam a quinta, de termos sempre experiências muito práticas a decorrer na sala de aula, que normalmente eram projectos que nos ajudavam a ser responsáveis, fosse a cuidar de plantas ou a alimentar bichos da seda, de nos explicar tudo com exemplos muito práticos e jogos… que a maioria das vezes implicava que construíssemos coisas.
Quando a questionei sobre o seu método, para incluir alguma informação mais técnica neste texto, disse-me que começou a seguir o Método Global (raiz global de 28 palavras) e pedagogia didáctica quando começou a ser prof em Angola (nos anos 60).
Mas que nesta Escola teve oportunidade de aprofundar um método mais dela, que lhe era natural e que lhe fazia sentido, que lhe vinha de dentro, da sua criatividade… disse-me que nos explicava as coisas como se ela própria fosse criança… e hoje sei que era mesmo isso… a Inocência e o Amor com que ela vivenciava este Prazer de ser Criança connosco, permitiu dar sempre oportunidades únicas aos alunos que não tinham conseguido noutras Escolas (que tb era o caso de muitos – chamados de crianças difíceis, com dificuldades ou repetentes – tive uma colega no ano anterior ao meu que tinha 12 anos e estava na 3ª classe) e a todos os que tiveram o prazer de estar nesta Escola pela 1ª vez … É de facto uma pessoa que viveu um dos seus Talentos e que encantou muitos alunos ao longo da sua carreira enquanto prof.
A mim deixou-me a semente de gostar da Escola e de aprender… e de ser autodidacta… e de tantas outras coisas que se perdem na fronteira de ser prof e de ser Avó… que ainda hoje é…
Voltando à Escola, como a Escola era numa quinta, esta foi sendo reconstruída à medida das necessidades, ou seja, no início estavámos todos no edificio principal, as salas de aula eram os antigos quartos do edifício e contávamos apenas com um antigo lagar convertido em sala de espetáculos… com o passar do tempo foram-se renovando as cavalariças em salas de aula, o celeiro em ginásio e etc… e todos participávamos de alguma forma nisso… Lembro-me particularmente da conversão do celeiro em ginásio, em que “salvámos” e relocámos ninhos de pardais… eu levei um pardal bebé para casa da minha Avó e juntamente com o meu Tio (5 anos mais velho que eu), conseguimos alimentá-lo e acarinhá-lo de forma a ele conseguir viver e voar… soltámo-lo passado uns tempos para ser livre!
Tínhamos uma horta em que plantávamos, regávamos e colhíamos os legumes, ajudávamos a fazer a sopa (descascar legumes), que comíamos sempre ao almoço,o prato principal e os lanches cada um levava de casa, tínhamos um forno a lenha em que se fazia pão e comíamos a fruta das árvores. A diversão principal era o tal Lagar convertido em palco de teatro e um baú cheio de roupas, sapatos, chapéus e etc, que podíamos usar livremente nos intervalos, as nossas pinturas da cara eram feitas com os caules das beterrabas da horta, construímos uma casa de madeira numa das árvores e baloiços… tudo o que tínhamos para brincar foi de alguma forma feito por nós… apanhávamos azeitonas, alfarroba e amêndoas… foi uma vivência maravilhosa!!!
Em parte porque fomos os primeiros… nos anos seguintes a participação dos alunos foi diferente, porque grande parte das coisas já estava feita mas o conceito de participar, de integração dos alunos com a natureza, com a vivência da quinta fez sempre parte da Escola.
Tinha aulas de música, dança, teatro, ginástica e inglês – os fundadores da Escola e donos da quinta eram um casal de um americano e uma indiana – que tinham vindo viver para Silves-Algarve com os seus filhos adolescentes, ele era um prof catedrático e ela era uma prof de teatro, ambos nos davam aulas… e por exemplo no caso do Inglês, as aulas eram por graus e por isso tínhamos várias idades na mesma aula – eu por exemplo tinha aulas de Inglês com os colegas estrangeiros da 1ª classe e assim tb aprendíamos uns com os outros.
E era normal termos prof de outras nacionalidades que estavam de passagem… lembro-me especialmente de uma prof de música israelita que tinha sido emigrante nos estado unidos. Havia uma grande diversidade de culturas… tive sempre colegas Ingleses, Americanos, Holandeses e Franceses nas minhas classes… o que muito enriqueceu a minha vida em todos os aspectos.
Quando entrei disseram-me que tinha de fazer um exame na 4ª classe, mas ao longo dos 3 anos que lá estive, eles conseguiram ser “reconhecidos” pelo ministério da educação e passei normalmente para o ciclo.
Em resumo, quero com isto dizer que não é preciso uma grande produção para uma Escola… e ainda hoje recordo esta Escola como os melhores tempos da minha “carreira Escolar” e da minha Vida!”
Beijinhos e Abraços com perlimpimpins da Terra das Fadas,
Andreia
Obrigada Andreia , pela tua belíssima contribuição! Adoro esta tua história. É um belo presente de Natal para “A Escola É Bela”.
Podem consultar o blogue da Andreia aqui.
Quem gostar de escrever a contar experiências lindas e interessantes neste campo da educação, pode enviar-me textos e fotos para o endereço associado a este blogue.
Beijinhos, Andreia e a todos! Uma bela semana e um Natal cheio de momentos de aconchego, harmoniosos e felizes, para todos.
O próximo post será a 27 de Dezembro, Lua Nova!
Caderno Verde
“Computador” que fala
Depois deste Verão, como ele fez 5 anos, e tendo ele passado mais tempo com umas meninas amigas, mais velhas, de 7 anos, que estavam atarefadas a preparar as coisas (livros, mochilas, material…) para o novo ano lectivo quase a começar, resolvi perguntar ao Alexandre se ele queria ir para a escola.
Respondeu-me que não:
“Não, eu não preciso de ir para escola, porque tenho um computador em que eu carrego na tecla “L” e ele diz “L”, no “A” e ele diz “A”, no “M” e ele diz “M”… vês? Assim aprendo as letras, não preciso de ir para a escola”.
“Mas as tuas amiguinhas (disse os nomes) vão para a escola…” – insisti.
“Porque elas precisam, não têm um computador como o meu, que diz o nome das letras”.
Bom, para além deste “computador” (que ele usava mais quando era mais pequeno), usa com frequência diária “computadores a sério” desde um pc a um mac portátil; já desde os 4 anos que sabe ligá-los, desligá-los, introduzir as passwords (a Catarina diz que para além de ele saber escrever o nome dele o que sabe melhor escrever são palavras algumas que nem sabe bem o que significam (são as passwords)), esperar arranques, fechar janelas “inconvenientes” (aquelas que estão sempre a aparecer e que temos que fechá-las para entrar nos programas), ir a locais inimagináveis procurar o jogo em que quer entrar (até ver, só jogos “didáticos”), como por exemplo em bookmarks, e depois, dependendo dos “jogos”, realizar inúmeras tarefas.
Em próximas páginas deste Caderno Verde falarei de alguns dos seus favoritos.
Ana Paula said,
Dezembro 21, 2008 @ 8:43 pm
Olá Isabel!
Essa história do computador faz-me lembrar o projecto do Dr Sugata Mitra, chamado Buraco na Parede, ou Hole in the Wall, e a sua noção de Educação Minimamente Invasiva, expressão utilizada para descrever a forma como as crianças aprendem em ambientes não-supervisados.
Tudo começou com uma experiência em que puzeram um computador ligado à internet num buraco numa parede numa favela na India. Os miúdos aprenderam sózinhos a utilizá-lo.
isabeldematos said,
Dezembro 22, 2008 @ 10:48 am
Pois… nós estamos muito formatados! Felizmente os pequenos conseguem mostrar-nos isso bem, é preciso é que nós aproveitemos bem aquilo que eles nos mostram todos os dias…
Beijinhos, obrigada pelo teu comentário e um Bom Natal!
Isabel
sycape said,
Abril 2, 2009 @ 9:14 pm
Quando vi o post sobre a Escola da Quinta do Paço nem queria acreditar. Andei anos à procura de algo sobre a escola e de alguém que tivesse andado nela. Ainda hoje penso na escola com saudades e com um sorriso nos lábios. Fiquei muito contente com o post e de saber que há alguém que teve a mesma experiência que eu 🙂
sycape said,
Abril 4, 2009 @ 4:04 pm
Olá! Não foi o Luis
sycape said,
Abril 4, 2009 @ 4:05 pm
Olá! Não foi o Luis que escreveu o comentário. Foi a Silvia a outra pessoa que faz parte do blog :p
isabeldematos said,
Abril 4, 2009 @ 9:14 pm
Ah,Sílvia! Por isso é que é bom assinar os comentários… já induzi em erro a Andreia, pois escrevi a dizer-lhe que um rapaz que tinha andado na mesma escola que ela me tinha deixado aqui um comentário…:)
Bem, mas tudo se esclarece!
Obrigada, beijinhos
Isabel
Andreia Santos said,
Junho 23, 2009 @ 8:08 pm
Olá, fiquei muito contente ao ler o texto da Andreia sobre a Escola da Quinta do Paço, também eu lá andei, e foram uns anos sem dúvida maravilhosos, ainda hoje rencontrei uma professora de quem gosto muito. Como eu gostava de lá voltar para rever o espaço onde passei tão bons momentos, mas talvez este sonho ainda seja realizável.
Beijinhos,
Andreia Santos
isabeldematos said,
Junho 25, 2009 @ 8:48 am
Olá, Andreia! Enviei à Andreia Silveira o que escreveste no comentário e o endereço, pode ser que ela entre em contacto, mas podes entrar directamente em contacto com ela, enviando-lhe um e-mail para o endereço indicado no blog dela (http://ojardimencantado.blogspot.com) ou deixar-lhe um comentário nesse mesmo blog.
Beijinhos, obrigada!
Isabel
sara sequeira said,
Abril 25, 2013 @ 2:20 pm
foi tao bom encontrar este blog a falar da escola da quinta do paço. tambem la andei, julgo que era colega da andreia. foi tao bom recordar o tempos de escola que la vivemos pelas palavras da andreia, foi como voltar ao passado. como esta a andreia? e a prof adelaide? que saudades. sara sequeira
isabeldematos said,
Abril 25, 2013 @ 6:56 pm
Olá, Sara! Vou enviar o seu e-mail à Andreia, pode ser que ela responda algo (ela agora vive no Reino Unido). Um abraço e obrigada pela sua visita e comentário!
Isabel